Desvendando os números da balança comercial

Em 2023, o Brasil atingiu um novo recorde na balança comercial, com um saldo de quase US$ 99 bilhões, um motivo bastante legítimo para comemoração. Contudo, é muito importante analisar minuciosamente esse número, compreendendo até que ponto podemos celebrar o fato e identificando possíveis preocupações ou indícios de ajustes necessários para manter a estabilidade nos resultados do comércio exterior.

O primeiro ponto evidente: o aumento do superávit não se deveu ao ligeiro incremento nas receitas de exportação, mas à queda brusca nas importações. A redução total dessas transações foi de quase 12%, enquanto a alta nas exportações chegou próximo a 1,5%. A corrente de comércio, que mensura a abertura da economia brasileira — representada pela soma entre exportações e importações —, apontou decréscimo de mais de 4% entre 2023 e 2022, um resultado que, à primeira vista, não parece ser favorável.

É vital buscar equilíbrio nas contas mantendo a alta da corrente de comércio, pois a importação amplia as opções do consumidor, facilita o fortalecimento empresarial e contribui para a contenção da inflação. Por isso, a ideia ultrapassada de que apenas o saldo positivo é relevante deve ser deixada de lado.

Ao analisarmos o número divulgado, que é o resultado do preço multiplicado pela quantidade vendida, percebemos que variações nas exportações e importações podem decorrer tanto de alterações na quantidade (quantum) quanto nos preços.

A própria Secretaria do Comércio Exterior (Secex) fornece dados detalhados, permitindo a avaliação da melhoria ou da piora nos preços e no quantum. Examinando os índices desse último, observamos um crescimento significativo de 8,7% na quantidade exportada entre 2022 e 2023, um número bem positivo.

Por outro lado, apontou-se redução de 2,6% no quantum de importações. Isso sugere que o Brasil importou menos, indicando uma provável diminuição na renda para a aquisição desses bens ou um aumento nos preços dos produtos importados e na taxa de câmbio, o que pode ter impulsionado a preferência por produtos nacionais. Em ambos os casos, configura-se um cenário desfavorável para o consumidor.

Historicamente, é evidente que a manutenção do patamar elevado no quantum de exportações, desde o início do ano, contribuiu para o bom desempenho em 2023, enquanto as importações seguiram o caminho oposto, atingindo um pico em meados de 2022 e declinado ao longo do ano passado.

Para uma análise abrangente, é essencial considerar também o gráfico do índice de preços de exportação e importação. Referente aos preços, registrou-se uma baixa generalizada tanto nas importações (-8,8%) quanto nas exportações (-6,3%).

Embora as primeiras tenham experimentado declínio em ambos, as segundas, estimuladas pela subida no quantum, conseguiram compensar a redução nos preços. Aqui vale notar que a tendência de barateio é constante desde meados de 2022, exercendo um papel considerável no controle inflacionário no Brasil e no mundo. Ainda que seja desvantajoso para o setor externo, isso pode ter efeitos colaterais propícios na inflação, principalmente nas commodities.

Outra questão que pode causar receio é a concentração das exportações, tanto em termos de produtos quanto de destinos. Nesse último caso, a China tem alçado importância crescente: em uma década, os produtos brasileiros exportados para o país mais do que quintuplicaram, ao passo que as exportações para os Estados Unidos e o Mercosul permaneceram praticamente estáveis no mesmo período. O que era uma cifra próxima a US$ 20 bilhões, em 2008, para China, Estados Unidos e Mercosul, hoje, apresenta uma diferença superior a R$ 70 bilhões.

Apesar de a concentração, em si, não ser prejudicial, pode gerar, nesse patamar, uma dependência indesejada. Mesmo considerando o saldo comercial, mais de 50% disso representam o resultado da nossa relação comercial com o gigante asiático.

Em resumo, mesmo com o recorde da balança comercial, algumas adversidades e apreensões se intensificam. É crucial a adoção de uma política séria e de longo prazo para revitalizar a Indústria nacional, sem precisar recorrer a desonerações de curto prazo ou a aumento de tarifas de importação. Identificar setores tecnologicamente avançados, concentrar recursos, investir em educação a longo prazo e compreender que os resultados não serão imediatos são passos essenciais. Isso requer pesquisa, vontade política e uma ampla reforma estatal. Até lá, continuaremos a lidar com desafios relacionados à concentração, tanto geográfica quanto de produtos.

Fonte: Contábeis

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