Problemas complexos estão travando a sua empresa? Veja 5 dicas para gerenciá-los
Renata Barcelos – professora associada da Fundação Dom Cabral
Os dois principais papéis de um líder em uma empresa ambidestra* são:
Engajar o seu time em uma visão de futuro
Orientar e fomentar o desenvolvimento das pessoas nas ações que geram resultados do presente.
Em ambos os casos, a necessidade de lidar com problemas mais ou menos complexos surge e traz ameaças e oportunidades importantes para o curto, médio e longo prazos.
Ora, se um problema tem difícil solução, poucas pessoas tentarão ou conseguirão resolvê-lo. Isso pode alongar as vantagens competitivas daquelas empresas que o dominam. Ao mesmo tempo, lidar com tal tipo de problema requer um nível de competência diferenciadora que precisa ser compreendido e desenvolvido. Quais são estas competências?
Em primeiro lugar, é preciso entender que empresas não podem ser pensadas como se fossem máquinas programáveis.
Ao contrário: tratam-se de sistemas sociais abertos e dinâmicos que precisam tanto responder ao mercado quanto influenciá-lo. Complexidade é característica indissociável de qualquer sistema com estas características, mas pode variar conforme o ambiente no qual a empresa está inserida.
Mercados comoditizados ou com baixa competição tendem a ser menos dinâmicos (e, portanto, mais previsíveis e com processos mais estáveis); empresas com menor volume de produtos, serviços e transações também.
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Setores do varejo podem ser extremamente nervosos, enquanto economias emergentes podem sofrer intempéries econômicas e políticas mais significativas. Enfim, diversos fatores ambientais e outros tantos internos atuam gerando complexidade e, portanto, ‘complicando’ a vida das lideranças.
Há diversas abordagens científicas, filosóficas e matemáticas para tratarmos a complexidade, mas é necessário simplificá-las à luz do pragmatismo gerencial. Partindo da premissa anterior de compreensão da empresa, é necessário que se compreenda também o que são problemas complexos.
O psicólogo alemão Joachim Funke, por exemplo, define 5 características para os mesmos:
possuem grande número de variáveis – o que exige simplificação;
possuem grande número de relações entre as diversas variáveis;
apresentam dinamismo entre as variáveis e as relações entre elas;
incompletude de informações para compreendê-lo na totalidade;
e geralmente, envolvem mais do que um objetivo e pode haver antagonismo entre os objetivos diversos.
Por definição, é possível perceber que complexidade e imperfeição andam juntas, uma vez que as percepções sobre problema e solução não serão unânimes ou definitivas. Proponho, portanto, que pensemos dois tipos de complexidade: a objetiva e a subjetiva.
A primeira, relativa ao problema em si: a dinâmica e o alto volume de elementos envolvidos. A segunda, relativa à capacidade de cada indivíduo em perceber o problema (capacidade de perceber e interpretar os elementos e seu dinamismo).
Diante disto, é importante compreender quais seriam as competências específicas a serem desenvolvidas nos diversos níveis organizacionais para fomentar práticas de liderança em torno dos problemas complexos:
1 – Nível do conselho de administração
Identificar e priorizar quais são os problemas mais complexos assumidos pela empresa, calcular riscos, construir resiliência estratégica e suportar as lideranças que encararão o desafio de buscar solucioná-los. Para este suporte, é importante entender que os maiores desafios não habitam o campo das certezas, mas sim, do aprendizado e da busca de opções (ou, simplesmente, apostas) que tenham valor no futuro.
Erros honestos e com riscos calculados de forma responsável devem ser apoiados. Para tanto, contratar direção com maturidade suficiente para assumir os desafios da estratégia no curto, médio e longo prazos torna-se fundamental, assim como a análise contínua dos riscos envolvidos.
Lembrete importante: se a empresa não apresenta problemas estratégicos complexos, a tendência é de que haja uma falha original na estratégia de ambidestria*, uma vez que inovações naturalmente complexas não estão sendo priorizadas. Talvez, a organização não esteja sabendo conciliar a gestão do presente com a visão do futuro e um sinal disso pode ser percebido quando as reuniões estão ‘mornas’ e operacionais.
2 – Nível de direção (C-Level)
Em primeiro lugar, qualquer líder precisa compreender o limite de compreensão e competência de seus liderados a fim de desenvolver os times na execução do dia a dia e nas ações de resultado em longo prazo.
Neste sentido, é preciso traduzir e simplificar os desafios de forma a alinhar a sua percepção com a compreensão dos liderados. Comunicação clara e objetiva é essencial explicitando tanto o nível de decisão que ficará a cargo dos gerentes no momento da ação quanto os sinais importantes que devem ser levados ao topo (sinais fracos podem demonstrar riscos importantes).
No campo da incerteza, erros acontecerão e é preciso trabalhar com margens de erro, projetos piloto e gestão de riscos operacionais. Valorizar o esforço e aprendizado dos times e ter humildade para assumir que ninguém, nem mesmo a diretoria, conhece a resposta correta aumenta a segurança psicológica e a motivação dos times a participarem dos projetos mais difíceis que uma empresa pode oferecer.
3 – Nível de gerência
Como líderes, gerentes precisam entender o limite de compreensão de seus liderados de acordo com a maturidade individual e simplificar aquilo que já é conhecido, reduzindo, assim, a complexidade subjetiva.
Neste sentido, o óbvio precisa ser dito e a comunicação de mão dupla precisa ser estabelecida. Uma dica útil que dou aos gestores é testar o nível de compreensão dos liderados perguntando: ‘diga-me o que entendeu’ ao invés de, simplesmente, ‘entendeu?’. Diante das incertezas de sucesso, quanto mais operacional o nível dos envolvidos, mais importante é saber valorizar o esforço e não apenas o resultado gerado.
Um ítem frequentemente esquecido que acaba criando complexidades desnecessárias, é ter bons padrões de trabalho e treinamentos que promovam o conhecimento já existente na empresa: isso evita erros desnecessários e ‘reinvenções de rodas’. Fomentar continuamente a visão sistêmica do time demonstrando que um departamento está inserido em um sistema maior e é interdependente de várias outras áreas é fundamental para que as pessoas possam compreender o impacto de suas ações.
Um exemplo do que está acima explicitado e que vivencio no meu dia a dia é relativo a projetos de transformação digital. No momento da definição de iniciativas, uma complexidade grande é levantada: há demandas de inovações e otimizações digitais em vários pontos da empresa, em diversos níveis.
Há demandas para novos serviços e produtos digitais e, ao mesmo tempo, é necessário melhorar funções básicas, insuficiências do ERP e reduzir custos. Se não houver tanto uma clareza de objetivos quanto de prioridades, o problema se torna tão grande que todos os esforços parecerão inúteis e desordenados. Afirmo a partir da minha experiência: a definição das prioridades não é simples nem para o topo do comando das organizações!
Em resumo: simplificação e priorização dos problemas a serem tratados; reconhecimento do nível de compreensão dos liderados; avaliação de riscos estratégicos e de consequências indesejadas; comunicação clara e objetiva; e estabelecimento de via de mão dupla para dúvidas ao longo da execução são competências gerais que devem ser desenvolvidas por qualquer líder.
Se os problemas complexos trarão, justamente, as maiores oportunidades para o negócio, é preciso abraçá-los com responsabilidade, análise de riscos (inclusive os riscos estratégicos de se assumir o desafio e o risco de ‘deixá-lo’ para o concorrente), com clareza e sem medo.
Vale aqui um ‘mantra’ que uso em minhas aulas: “não delegue complexidade a quem não tem maturidade”. E faça, sempre, a mea culpa de onde você pode estar errando no momento da tradução dos objetivos e das atividades ao seus times.
*Ambidestria é a capacidade de a empresa conciliar objetivos e ações voltadas à inovação para os resultados do futuro com a eficiência no curto prazo.
Fonte: Exame.